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sexta-feira, 4 de julho de 2008

O poeta Paulo Kauim e curador da exposição de Ivaldo Cavalcante expoe "Duas Decádas de Cultura" no Sesi Taguatinga. de 02 a 30 de julho.



Com curadoria do Poeta Paulo Kauim.
"TAGUATINGA NÃO CABE EM MEU PEN DRIVE"
Primavera de 1972, havia um crepúsculo púrpura sobre a favela Nova Brasília, onde a gente morava, no Rio de Janeiro. A notícia era que nossa família ia mudar-se para a capital do país. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, CONTAG, firma onde meu pai trabalhava, é transferida do Rio de Janeiro para Brasília. Ainda lá no Rio, ficava imaginando aos dez anos de idade como deveria ser Brasília, pois para mim, Brasília era apenas uma foto da praça dos três poderes pregada na parede da minha sala de aula. Uma foto onde as pessoas não apareciam. Meu pai veio antes de nós com o meu irmão Antonio para providenciar a nossa nova casa e depois vieram com minha mãe: eu e minhas irmãs Deta e Carminha.Chegamos aqui no Cosme e Damião de 27 de setembro de 1972. Quando chegamos aqui, Taguatinga era um barro-vermelho-arcaico-sublime com suas ruas largas, gente guerreira de todo continente brasileiro, gente também de outros países e um céu perto dos humanos nunca visto até então. Fui marcado pelo céu. Não conhecíamos nada do lugar, mas nossa vizinha Marta Clauss, uma alemã, nos levava para todos os cantos de Taguatinga e do DF. Com ela colhíamos cajuzinhos e miramos pela primeira vez toda beleza epifânica do cerrado. Aos finais de semana quando ainda morávamos lá no Rio de Janeiro, nosso pai nos levava para as praias da Ilha do Governador e aqui em Taguatinga ele nos levava para passear na Ceilândia. Até hoje a Ceilândia é meu mar e meu horizonte. Say Land. Foi na FACITA quando ainda era no centro que vi pela primeira vez o Rei Luiz Gonzaga. Nosso rito de passagem para a adolescência era feito nos córregos em volta da cidade. Uma pletora de felicidade nos atacava quando a pipa que tínhamos acabado de fabricar ocupava o céu. Eu era uma criança de periferia com mil idéias na cabeça e um carrinho de rolimã nas mãos. No passado, Taguatinga dançava soul no Clube dos 200 e nas festinhas da Q.N.A, hoje ela dança charme e hip hop na boate que fica no térreo do Kingstown Hotel sob o comando dos DJs Celsão e Chokolaty. Taguatinga é jazz e MPB no Botiquim Blues e é indie-rock no Blues Pub. Sinto uma inveja saudável do Reinaldo da Berlin Discos por ele ter visto o show dos Mutantes no clube dos 200 em uma festa para debutantes e a platéia sem entender nada da performance acabou se retirando aos poucos, restando apenas o Reinaldo e seus amigos. Gostaria de ter conhecido a Caverna do Cabeça no Mercado Sul. Lembro quando os filmes do Festival de Cinema de Brasília eram exibidos no Cine Lara. Sinto a adrenalina quando o Zurêia nos descreve a emoção que ele, Chico, Pezão e Davi sentiram ao pegar um ônibus em alta velocidade para não perder o trem que os levaria para o Festival de Inverno de Ouro Preto em Minas Gerais. No final dos anos 70, playboys comiam sandubas, nós cinema francês. Nossa mirada era ampliada do alto da antiga caixa d`água. Se você gosta de comer bem, aqui temos comida árabe na praça do D.I. e chinesa no pistão sul. Temos comida típica mineira, goiana e pizzarias de padrão elevado. O muro da Q.N.A 25 era o nosso clube da esquina 3. No inverno, sob neblina, Taguatinga fica londrina com suas meninas belas de sobretudo e cabelos negros, loiros e ruivos. Antes Taguatinga tinha Detrito Federal, hoje recebe de braços abertos Os Racionais do Mano Brown. Taguatinga é nosso primeiro beijo. Nosso primeiro gozo. Aqui tive o primeiro impacto ao ler Gregório de Matos Guerra na biblioteca da EIT e Augusto dos Anjos na biblioteca do CEAB. Taguatinga é o olhar furioso de Ivaldo Cavalcante contra a barbárie e os Ruminantes de Omar Franco nos iluminando. Taguatinga tem a geografia precisa das linhas de uma bata do Pezão. Taguatinga caro leitor, sabe que sou poeta e que não sou político para lhe trair embora poesia seja por si uma ação política acompanhada da dança do intelecto e do indizível. Aqui não desejo falar dos carros-bombas-de-som que furam nossos tímpanos, bigornas, martelos e trompas de eustáquio. À noite, sobrevoando de avião, o corpo da cidade me lembra a ilha de Manhattan. Nos anos 80, o bar do Kareka era nossa galeria, palco e barricada. O Teatro Rolla Pedra quebrava a vidraça do marasmo com bandas de rock invadindo a cena onde punks vomitavam ódios sobre o que ainda restava da ditadura militar. Taguatinga é gol de placa do Zé Carlos no Arimatéia. É quadrilha turbinada no São João do SESI. É Invenção Brasileira. É Dentinho e Margarida se beijando nos eucaliptos. É Dr. Ademir Marques e Dr. Milton Sucupira zelando pelo sorriso da cidade. É Marconi jogando basquete com Nietzsche na EIT. É kendô no Nippo. É seu K.O. e mestre Gavião. Hoje Taguatinga é pós-moderna com a galeria Olho de Águia e o Bar Faixa de Gaza. Hoje Taguatinga é Celeiro das Antas na Alemanha, Rubi no topo da paulista, Nonato Dente de Ouro e o Esquadrão de Ébano no Circo Voador, Gérson de Veras estudando cinema na paulicéia, Dillo Daraujo na estrada, Fernando Carpaneda com trabalhos no acervo dos museus de Nova Iorque e a voz de um Deus em cólera: Ellen Oléria, relançando os dados sobre o tabuleiro do futuro. Taguatinga, tudo que sinto por você não cabe em meu Pen Drive. Se o Google nos apresenta respostas, é em Taguatinga onde costumo erigir perguntas. Ela é nosso oráculo. No seu aniversário de 50 anos Taguatinga, lhe desejo ousadia para seus próximos anos com saúde, amor, educação, trabalho, dinheiro, cultura, poesia e cidadania plena.
Paulo Kauim


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