Para mim, que sempre curtiu História, Fotografia e Montanhismo, foi um dos melhores presentes da vida. Descer sózinho o Kala Pathar (5.543 m), com a luz incrível da Lua cheia iluminando tudo, sem um movimento de vento, num mundo de silêncio profundo, com o monte Everest crescendo a minha frente, posso dizer, lembrar e emocionar-me para sempre, que foi um dos momentos mais bem vividos de toda a minha vida.
Entendi perfeitamente o “love affair with a mountain”, vivido pelo alpinista George Mallory, entre 1921 e 1924. No meu caso, precisei viver 34 anos e viajar 265 dias para encontrar-me ali, diante de um símbolo, de um mito, de uma massa de rocha que encanta meio mundo e que, há tantos milhões de anos já foi o fundo de um mar.
“Chomolungma”
A montanha revelou-se,
devagar como um grande amor
Dentre os pontos altos dessa caminhada (interna e externa; “I’m delighted on my voyage inward for there is always room to grow”, escreveu Reinhold Messner, após a primeira escalada solo e sem oxigênio, do Everest, em 1980), alem das figuras raríssimas que conheci e que pude compartilhar tudo de bom que se vive nas montanhas - ‘aprendi a conhecer melhor as pessoas através das pedras que elas escolhem pisar ao caminhar’ -, cito a subida solitária ao Chhukung Ri (5.546 m), uma noite de “sonhos de apnéia” no acampamento-base do Everest, a travessia do Chola Pass (5.330 m), e, por fim, a subida ao topo do Gokyo Ri (5.483 m). Não são, nem de longe, consideradas aventuras perigosas, que merecam um “parabéns, voce mandou muito bem”. Mas, ao contrário, o que sempre contou para mim foi a possibilidade da altura ampliar a dimensão da paisagem.
Como bem definiu Robert Macfarlane, em seu Mountains of the mind, “visionary amplitudes of altitute”. E, também, o prazer sem fim de estar bem e em paz em qualquer lugar. É isso o que me faz queimar os músculos das pernas, me deixar com nós nas costas e exercitar ao máximo a economia do ato, tão esquecido, de respirar com concentração e consciência vital
Ontem, voltando a Kathmandu, feliz por estar voltando a “civilização”, dei-me conta pela centésima vez (e nem precisava dar-me mais conta disso) que a vida com a montanha, no meio da natureza, é bem mais vida, bem mais sonho, bem mais intensa, bem mais… real. São momentos, são dias, são situações, que me promovem, me deslocam, me transportam, para um universo sem modernidade, sem tecnologia, sem aceleração. Acho que me vejo como um mergulhador das altezas, ou um montanhista das profundezas. Montanhas, já disse antes, são altares. Então, acordei, calcei as pesadas botas, e fui rezar. Lembrei-me da bela frase de Kim Stanley Robinson, no clássico ‘Escape from Kathmandu’: “One of those quiet Himalayan moments, where the world seems like an immense chapel”. Quando me perguntam (e aqui na Ásia sempre perguntam) qual é a minha religião, qual é o meu deus (ou Deusa), divirto-me respondendo “minha religião é o caminhar na natureza, passear pelo mundo”, e que meu deus (ou Deusa) “é o Sol, a Lua… tudo o que é para todos”.
Quando nos reencontrarmos terei muito mais inspiração e tempo para contar-lhes sobre a textura de cada pedra e de cada rosto que toquei com os olhos ou com os dedos, nesta viagem inesquecível aos pés da maior montanha do mundo.Fotos © João Paulo BarbosaBeijos e abraços de 8.850 metros
João
PS: O nome tibetano para o Everest é, há muitos séculos, Chomolungma, “Deusa Mãe do Mundo”.
PS 2: Este mixto de relato-mensagem é especialmente dedicado a melhor mãe do mundo, a minha! Dona Joy Santos Barbosa, alpinista de pedras-mais-que-preciosas. Com todo o carinho e amor para ela (e para todos vocês também) segue uma seleção de “imagens das alturas” feitas com a melhor luz disponível aos olhos. Valeu mãe! … mais uma vez, tocamos a troposfera!
A última foto nao é minha. Foi feita pela montanhista chilena Francisca Caballero. Sou eu, depois de escalar nas geleiras do glaciar do Khumbu, ponto de partida para os alpinistas que escalam o Everest, o Lhotse ou o Nuptse.
Tutche! Sala tetu!
Grato. Até breve!, na língua Sherpa.
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